Publicação inédita em Português* de um dos últimos escritos de Trotsky, um dos temas do texto "Discussions with Trotsky". Publicado originalmente em Junho de 1940 no Boletim do Comitê Nacional do Socialista Workers Party (SWP), seção da Quarta Internacional nos EUA. O título da primeira publicação foi "Discussions with Lund" (pseudônimo de Trotsky).
𝘛𝘙𝘖𝘛𝘚𝘒𝘠, 𝘓𝘦𝘰𝘯. 𝘋𝘪𝘴𝘤𝘶𝘴𝘴𝘪𝘰𝘯𝘴 𝘸𝘪𝘵𝘩 𝘛𝘳𝘰𝘵𝘴𝘬𝘺. 𝘪𝘯: 𝘞𝘳𝘪𝘵𝘪𝘯𝘨𝘴 𝘰𝘧 𝘓𝘦𝘰𝘯 𝘛𝘳𝘰𝘵𝘴𝘬𝘺, 1939-1940. 𝘕𝘰𝘷𝘢 𝘠𝘰𝘳𝘬: 𝘗𝘢𝘵𝘩𝘧𝘪𝘯𝘥𝘦𝘳 𝘗𝘳𝘦𝘴𝘴, 1973. 𝘱.286-𝘱.289.
Cannon – A questão
fundamental da organização partidária foi tratada durante a luta fracional. Na
discussão, foi levantado que a natureza de nossa época é militar; o único
partido sério é aquele que almeja o poder.
Tivemos um duplo obstáculo em
nosso partido, que vem do passado. Um é que os socialistas nunca sonharam em
mudar a sociedade. Eles queriam protestar, mas um partido para mudar a
sociedade nunca esteve realmente em seus ossos. Sua concepção era flácida, um
socialismo cristão. Quem veio da social-democracia para o nosso partido trouxe
essas concepções. A segunda é que nosso partido sofreu com a correção excessiva
do burocratismo stalinista, em grande parte devido à pequena burguesia, que
estava mais assustada do que ninguém por ter que se disciplinar. Eles não
queriam um regime firme ou disciplinado. Essa foi a tendência de Burnham e
Shachtman. Durante onze anos estivemos em uma gangorra, metade do tempo com as
concepções leninistas, a outra com o outro extremo. Quando as coisas ficaram
sérias, o máximo que conseguimos foi um compromisso de 45%. Nessa luta
recebemos um forte impulso da base, que exigia mais disciplina, um partido mais
sério. Devemos dedicar mais tempo à concepção do partido que emerge da era
militar. Um partido confuso é inútil. Precisamos que essa concepção seja
assimilada até os ossos de nossos militantes.
Acho que o partido aos olhos dos
principais militantes deve ser considerado como uma organização militar. As
formas partidárias teriam de ser formalizadas muito mais consideravelmente em
uma maneira deliberada de organização hierárquica. Um registro estrito dos
graus de autoridade no partido. Todas essas coisas serão deliberadamente
inculcadas a fim de construir um partido capaz de lutar pelo poder nesta época.
Se estiver correto, temos a chance de construí-lo agora. Primeiro, porque
existe um impulso real para isso que começa na base. Ela sente que não há
disciplina ou firmeza suficiente.
Na direção, não há atualmente
nenhum conflito sério sobre esse ponto e há um grande avanço para a colaboração
conjunta. Não há possibilidades de elementos débeis e vacilantes capitalizarem
as diferenças. Antes não era assim, principalmente em Nova York. Esse foi o
papel censurável desempenhado por Abern e Shachtman: pacificar os débeis. Agora
não há chance de uma repetição, pelo menos no próximo período.
Em minha polêmica com Burnham,
tornei explícita a necessidade de uma liderança profissional ao invés de um
diletantismo sem dedicação exclusiva tentando jogar com o partido. Claro, eu acredito
que a questão de ter um trabalhador partidário em tempo integral depende
dos fundos. Mas a ideia é que um militante do partido deve estar pronto para
trabalhar pelo partido – essa ideia deve ser universalmente. Acabar com a
tolerância para a direção amadora.
Trotsky – Antes que me
esqueça: o partido deveria elaborar uma espécie de plataforma para a questão
judaica; um balanço de toda a experiência do sionismo com a simples conclusão
de que o povo judeu não pode ser salvo a si mesmo, exceto por meio da revolução
socialista. Acredito que poderíamos fazer uma influência importante em Nova
York entre os trabalhadores têxteis.
Gordon – Que abordagem
tática você sugere?
Trotsky – Isso é outra
coisa. Não estou muito informado sobre esse momento. A primeira coisa é dar a
eles uma perspectiva, criticar todo o passado, a tendência democrática e assim
por diante. Demonstrar que a revolução socialista é a única solução realista
para a questão judaica. Se os trabalhadores e camponeses judeus pedissem um
estado independente, ótimo; mas eles não terão sucesso sob o domínio da Grã-Bretanha.
Mas se eles quiserem, o proletariado vai dar a eles. Não somos a favor, mas só
a classe trabalhadora vitoriosa pode dar isso a eles.
Eu acredito que é extremamente
importante o que Cannon escreveu uma vez sobre a criação de um patriotismo em
relação ao partido, que se revolucionários maduros discordam, mas também entendem
o valor histórico do partido, então eles serão capazes de ter uma discussão
muito aguda, mas terão certeza de que a base é comum, que a minoria se
submeterá à maioria. Tal sentimento não pode ser produzido artificialmente,
mas, é claro, a propaganda que expressando a importância do partido neste
momento pode fazer seus membros se sentirem orgulhosos de sua filiação. O que é
miserável nos pequenos burgueses é sua atitude leviana em relação ao partido.
Eles não entendem o que é um partido.
Ao mesmo tempo, é necessário
criar uma relação elástica entre democracia e centralismo. Temos pelo menos centenas
de membros experientes que agora exigem uma organização mais centralizada. Essas
pessoas daqui a dez anos serão a velha guarda. Esses quadros, em outra etapa,
podem dar a possibilidade de ganharmos centenas ou milhares de membros de
diferentes origens; eles podem introduzir novas tendências críticas. Para
assimilá-los, não podemos apelar para o centralismo. É preciso ampliar a
democracia, para que eles descubram que a velha guarda é mais experiente.
Portanto, após um período de existência muito centralizada, vocês podem ter um
novo período de ampla discussão, e então uma período centralizado mais normal.
Nosso crescimento será um
crescimento convulsivo. Pode chegar às nossas fileiras algum material humano meio
cru. É uma vantagem tremenda contar com o apoio dos quadros. Eles vão explicar
aos novos camaradas. Ao mesmo tempo, é perigoso impor o centralismo rápido
demais aos novos membros, que não têm essa tradição de estima pelos líderes que
geralmente se baseia em experiências do passado. Isso também mantém o
equilíbrio do partido.
Esta foi uma das melhores
qualidades da liderança de Lenin: da disciplina de ferro à aparente total
liberdade dos militantes. Na realidade, ele nunca perdeu o controle, mas o membro
comum se sentia perfeitamente livre. Desta forma, ele lançou as bases para um
novo centralismo. Isso deu-lhe a possibilidade de enfrentar uma guerra severa,
durante a qual as relações partidárias indicaram a necessidade de uma
organização militar severa. Apesar de tudo, o equilíbrio partidário foi
mantido. Mesmo no front, tínhamos reuniões fechadas do partido, nas quais todos
os membros do partido discutiam livremente, criticavam ordens e assim por
diante. Mas quando saímos da sala, as ordens deveriam ser cumpridas com uma
rígida disciplina, visto que sua violação autorizava o comandante a ordenar a
execução dos infratores. Poderíamos desenvolver manobras muito complicadas. No
início, quando o exército era composto quase inteiramente por comunistas do
período pré-revolucionário, principalmente com relações já estáveis, era fácil.
Mas quando mais de cinco milhões foram incorporados - a maioria era composta de
elementos novos, sem tradição - as coisas complicaram-se, pois tiveram que
aprender a disciplina no exército, em sua forma mais severa. Houve protestos
por causa de algumas questões que levantaram insatisfação, que foram usadas por
Stalin contra Trotsky. Foi necessário, por algum tempo, dar rédeas soltas a esses
elementos e depois, por convencimento, criar uma nova base para um regime
militar mais severo. Eles confiaram nesses elementos. Tsaritsin[i]
desempenhou um papel importante nesse sentido com Stalin, Voroshilov, Timoshenko.
Eles apoiaram-se nesses elementos. Eram guerrilheiros, como Shachtman em sua
política. A guerra finlandesa foi o teste para o velho grupo de Tsaritsyn; [que]
Stalin não apareceu no front, um fato aparentemente incompreensível. Claro, ele
tinha que lidar com sua GPU no Kremlin. Voroshilov é demitido, o último da
oposição de Tsaritsyn.
Dobbs – Conseguimos algo
parecido em Minneapolis em nossos piquetes. Discussão completa e, em seguida,
trabalhar sob disciplina severa.
Trotsky – Sim, é uma
questão psicológica dedicar tempo suficiente para convencê-los de que os dirigentes
fazem essas coisas no interesse do partido e não de acordo com seus interesses
pessoais. Então, isso é o capital moral mais importante do partido.
Konikow – As coisas não
poderiam ser facilitadas com um boletim informativo interno?
Cannon – Sim, sim.
Gordon – Como você acha
que será a vida partidária no próximo período? Poderemos fazer convenções,
plenárias etc.?
Trotsky – Isso depende das
condições objetivas da guerra. Eles podem começar a persegui-los no próximo
período. O centralismo se torna absoluto. O comitê central deve ter o direito
de cooptar novos membros sem ser discutido em uma convenção. É para o caso de
prisões policiais. Desta forma, a coesão do partido deve ser garantida. A
confiança só é possível por meio de boa política e coragem. Seria uma provação
muito importante e uma seleção muito séria. O verdadeiro centralismo, que
formará um capital precioso com o essencial da vida partidária. Quando não é
possível realizar uma convenção, temos a possibilidade de informar os melhores
quadros, os melhores elementos, que então defendem a linha política nas
organizações locais para que o partido não se surpreenda. Muitas vezes depende
de um período de vinte e quatro horas para explicar a situação. Então podemos
iniciar a ação. Do contrário, eles podem ficar descontentes, e em pouco tempo o
partido pode ficar paralisado.
[i] Durante
a guerra civil russa, a cidade de Tsaritsin, de grande tradição guerrilheira,
foi o quartel-general do Décimo Exército Russo comandado por Voroshilov. Sob a
influência de Stalin, tornou-se o quartel-general da "oposição
militar", que se opunha ao uso de especialistas militares do antigo
exército czarista e resistia à centralização do Exército Vermelho sob um
comando unificado. Stalin usou o grupo de comandantes que serviam naquela
unidade para suas manobras pessoais e intrigas, capitalizando seus
ressentimentos contra o centralismo do comando para acumular lealdades pessoais
em relação a ele. O oitavo congresso do partido russo, em março de 1919,
rejeitou a posição do grupo Tsaritsyn e reafirmou a política militar que Trotsky,
como chefe do Exército Vermelho, vinha implementando. Em 1919, quando o grupo
começou a desobedecer a ordens diretas e a colocar em risco o curso da guerra
civil, Lênin e Trotsky finalmente transferiram Voroshilov para a Ucrânia, onde,
novamente com Stalin por trás dele, ele criou um grupo de oposição semelhante.
Depois que Lenin morreu, Stalin mudou o nome de Tsaritsyn para
"Stalingrado".
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